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#JáLi - "Memórias da infância em que eu morri", de Hugo Pascottini Pernet


Entrevistamos Hugo Pascottini Pernet, o autor de "Memórias da infância em que eu morri", o livro da semana no canal do "Alguém Viu Meus Óculos?" no YouTube!

“Memórias da infância em que eu morri” traz a história de um período da sua infância real, né? Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Realmente, ‘Memórias da infância em que eu morri’ é um pedaço da minha infância transformado em ficção. Acredito que a ideia de escrever este livro surgiu desde o dia em que eu fui diagnosticado com a doença. Um livro se desenvolve na cabeça do autor de modo inconsciente e, por isso, os acontecimentos que vivi em função da doença, que foram muito marcantes, ficaram guardados na minha memória. Lembro que na escola, em várias redações, escrevi sobre esta minha doença. Sempre que a temática da redação dava alguma brecha para eu introduzir esta minha história, eu não pensava duas vezes em narrar o que passei. Eu adorava escrever e falar sobre esta doença porque meus amigos ficavam impressionados com o fato de eu ter superado um câncer. No entanto, a ideia de escrever este livro começou em uma oficina de romance ministrada pela escritora Carola Saavedra, na Estação das Letras, em 2013. A ideia era escrever e enviar para a Carola toda semana até 20 laudas, que seriam devolvidas aos participantes da oficina cheias de críticas positivas e negativas, fundamentais para o aprimoramento do texto. Quando a oficina terminou, eu tinha escrito 40 páginas do romance. Na época, eu cursava jornalismo, deixei o texto na gaveta e me dediquei aos compromissos da faculdade e do estágio. Para resumir a história, me decepcionei com o jornalismo e ficou nítido para mim que a melhor forma que eu teria de expressar o que penso seria por meio da literatura. Em 2015, eu pedi demissão de uma grande revista para me dedicar exclusivamente à escrita do livro. Peguei o material que eu havia escrito na oficina da Carola e comecei a reescrevê-lo. Em seis meses, eu tinha a primeira versão do “Memórias da infância...”, que na época tinha outro nome e nenhum conteúdo das 40 páginas que eu havia escrito na oficina da Carola. Percebi que minha escrita havia amadurecido. No entanto, havia muitos vícios adquiridos da escrita jornalística. Com objetivo de saber a qualidade literária daquela versão do livro, tive a ideia de enviar o material para escritores que prestam serviço de análise crítica de texto, bem semelhante ao que acontecia na oficina da Carola. Primeiro, enviei o texto para a Revista Pessoa, em que o escritor Jacques Fux fez esse trabalho de análise crítica. Após o primeiro parecer crítico sobre o livro, eu reescrevi o livro durante mais uns seis meses. Com uma nova versão, bem melhorada, decidi enviar o texto para o escritor Leonardo Villa-Forte, que me ajudou demais a aprimorar o texto nas questões de qualidade literária. Como a minha ideia já era não procurar nenhuma editora e publicar o livro de modo independente, sempre tive em mente que o conteúdo do livro deve estar excelente, por isso essa minha preocupação de enviar o livro para escritores o avaliarem e me inspirarem a aperfeiçoá-lo. A cada parecer de escritores eu reescrevia o livro, reescrevia, reescrevia, a ponto de criar dezenove pastas no computador, cada uma com vários documentos de Word, o que significava novas versões do livro aprimoradas em relação às anteriores. Foi nesse período que descobri que o escritor precisa “sofrer” de um certo grau de transtorno obsessivo, caso contrário, abandona a obra no meio do caminho. Me estendi demais nessa resposta, mas achei importante falar desse processo de criação e desenvolvimento do livro.

O que há de ficção no livro? Até que ponto ele é real?

Saber o que é ou não ficção faz parte do mistério do livro. É mais ou menos como o caso de ‘O Irmão Alemão’, do Chico Buarque. O leitor não sabe distinguir o que de fato aconteceu na vida dele do que é fruto da imaginação do autor. Mas posso revelar a veracidade de alguns fatos narrados no livro. A mudança para a casa ocorreu, de fato. No primeiro dia da mudança, eu, brincando com meu irmão, esbarrei nele e raspei as costelas na borda da piscina. Realmente, com o diagnóstico da minha doença, meus pais se apegaram com mais afinco à religião. Sempre foram religiosos, mas com a doença se tornaram mais fervorosos. Ocorriam toda semana reuniões de oração na minha casa. E minha mãe era, e ainda é, uma amante da literatura, como foi retratada no livro. No entanto, para funcionar este formato que decidi escrever o livro (do ponto de vista da criança), tive que mudar o tempo em que a história se passa. Eu tive a doença com quatro para cinco anos, e não com nove. Fiz essa mudança porque seria impossível uma criança de quatro anos escrever um diário e fazer gravações direcionadas à mãe. Tem uma parte do livro em que a criança fica na casa do avô, onde grava muitas fitas para a mãe. Durante meu tratamento, não fiquei uma semana inteira na casa do meu avô, como é narrado no livro. Tem muitos outros fatos inventados que prefiro não revelá-los, caso contrário perderia um pouco do mistério do livro.

Como surgiu sua paixão pela escrita? O Hugo da vida real também é apaixonado por Fernando Pessoa e escrevia diários?

Desde criança eu gostava de escrever. Tinha o hábito de escrever histórias em folhas A4 e dobrá-las ao meio, de modo a formar um livro. Escrevia muitas poesias. Tudo isso como uma grande diversão, claro. Mas, um pouco antes da faixa dos 20 anos, no período em que escolhi cursar jornalismo, já era apaixonado por me comunicar por meio das palavras. Durante a graduação de jornalismo, percebi que gostaria de me comunicar, e dizer algo que julgo importante, de modo próprio, diferentemente da escrita jornalística, formada por manuais e padrões. Como disse, eu gostava de escrever poesia na infância. E como minha mãe cursou faculdade de letras, ela tinha uma mini biblioteca em casa. Dos livros de poesia, eu só escolhia, realmente, Fernando Pessoa. Ao contrário do Hugo de “Memórias da infância...”, eu não escrevia diários quando eu era criança.

E as gravações em fita? São uma criação para o livro ou elas realmente existiram?

Como eu disse em uma das respostas anteriores, saber o que é ou não ficção faz parte do mistério do livro. Mas revelo que as gravações em fita foram uma invenção do Hugo autor, pensando na estrutura do texto estipulado no projeto literário do livro. Foi uma forma que encontrei para expor os sentimentos da criança em meio a tantas incertezas trazidas pela doença. Nessa parte, a criança narra à mãe o que vivenciou dentro e fora do hospital, de um jeito peculiar, afinal, cada filho se comunica de uma forma diferente com a própria mãe.

Como é saber que agora todo mundo pode ter acesso a uma história tão sua, a algo que é parte da sua vida?

Fico com a sensação de papel cumprido. Meu pai sempre deu testemunho na Igreja sobre a cura “misteriosa” da minha doença, do ponto de vista de que fui curado por milagre. Foi a forma que ele encontrou de falar sobre a minha doença. Eu encontrei na literatura a forma de contar o que vivi. Transformei uma parte da minha vida de muito sofrimento em arte, ficção. Com o livro, espero fazer com que leitores se identifiquem com a história, uma vez que é uma doença bem predominante na atualidade. E para os que nunca tiveram contato com pessoas que sofrem dessa doença, tento fazer com que elas imaginem o que é uma criança ser diagnosticada com câncer.

A religião é algo muito presente no livro. Como é a sua relação com ela hoje?

Depois da minha doença, não sei por quê, me tornei muito religioso. Chamava meus pais para irmos à Missa aos domingos. Aos 18 anos, tatuei o nome ‘Jesus Cristo’ nas minhas costas. No entanto, com a descoberta da possibilidade de eu não ter sido curado por um milagre, mas sim vivenciado todos os processos de cura por um erro médico, confesso que abalou um pouco a minha fé. Talvez por isso eu escrevi esse livro. Eu ficarei eternamente com essa dúvida guardada em mim: se fui curado por um milagre ou se fui vítima de um erro médico. E sobre isso a literatura não pode me responder. Mas, afinal, o objetivo da literatura não é dar respostas, e sim sugerir perguntas.


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Manu Mayrink é fanática por livros, filmes, séries, música e lugares novos.  A internet é seu maior vício (ao lado de banana e chocolate, claro) e o "Alguém Viu Meus Óculos?" é seu xodó. Ela ama falar (muito) e contar pra todo mundo o que anda fazendo (taurina com ascendente em gêmeos, imagine a confusão!). Já morou em cidade pequena e em cidade grande, já conheceu gente muito famosa e outras não tanto assim (mas sempre com boas histórias). Já passou por alguns lugares incríveis, mas quando o dinheiro aperta ela viaja mesmo é na própria cabeça. Às vezes mais do que deveria, aliás.

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