"Clementina" e a revolução do samba pela tradição oral de gerações
Em 1901 nascia, na comunidade do Carambita, bairro da periferia de Valença e tradicional reduto de jongueiros no sul do Rio de Janeiro, Clementina de Jesus. Aos oito anos, ela se mudou com a família para a capital, indo para o bairro de Osvaldo Cruz. Ainda criança, aprendeu com sua mãe e sua avó rezas em jejê nagô e cantos em dialeto provavelmente iorubano. E foram destas influências que resultou a musicalidade marcada pelo samba e cantos tradicionais de escravizados do meio rural, típicos de Dona Clementina.
A neta de escravos só ganhou os palcos aos 62 anos, depois de ter sido descoberta pelo poeta e futuro produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, que viu nela o potencial de uma verdadeira revolucionária do samba. O jovem ficou fascinado e passou a prepará-la para o espetáculo Rosa de Ouro, show que a consagraria.
A história desta super artista ganhou documentário dirigido e roteirizado por Ana Rieper e com exibição neste 20º Festival do Rio (que vai até 11 de novembro). Clementina traz, através de depoimentos e imagens de arquivo, a história desta descoberta feita em 1963 na Taberna da Glória, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Na verdade, Hermínio rejeita o termo "descobridor de Clementina" e se questiona porque antes ninguém havia prestado atenção na empregada doméstica que cantava informalmente temas apreendidos nas tradições orais de negros que descendem de escravos.
Com apenas 75 minutos, o documentário foca na carreira da cantora e em sua importância cultural e histórica, além da valorização da tradição oral, responsável por músicas que passaram gerações. É fascinante acompanhar as lembranças de Clementina a cada música que ela resgata de sua memória infantil. Sua voz rasgada e fiel aos costumes dos antepassados deixa tudo ainda mais esplêndido. Aqui, a gente se sente pertinho desta rainha, como num bate papo na mesa do almoço, degustando a feijoada que ela mesma ensinou a preparar.