“Excelentíssimos” canalhas e as alianças espúrias pelo golpe de 2016

O impeachment de 2016 ainda não foi totalmente engolido por aqueles que sabem que sabem que se tratou de um golpe. Alguns filmes e documentários têm procurado retratar esse período, em uma tentativa de entender o que aconteceu (e ainda está em curso) no Brasil. Um deles, "O Processo" , lançado em maio, retrata o processo do impeachment de Dilma Roussef no Senado, com suas comissões e reuniões do PT. Neste filme, a primeira cena é a patética votação na Câmara dos Deputados. Já “Excelentíssimos”, lançado no último dia 22 de novembro, tem essa cena em seu ato final: este novo documentário de Douglas Duarte remonta ao início do processo.
São mostradas assim, a crise do governo Dilma, ainda em 2015, e como ela foi agravada pela má-vontade e interesse de certas bancadas parlamentares, que nunca aceitaram sua vitória eleitoral em 2014. Assim, “Excelentíssimos” mostra as articulações espúrias que parlamentares covardes fizeram para que fosse instalado o processo na Câmara dos Deputados. O grande protagonista deste teatro foi o agora preso Eduardo Cunha, mas este importante documentário coloca sob a luz outros tantos “excelentíssimos canalhas”, menos conhecidos, que, sem escrúpulos, tramaram um grotesco golpe contra a presidente eleita.

No início do processo de filmagem, Douglas Duarte buscava retratar apenas o cotidiano no Congresso Nacional, mas se deparou com uma realidade diferente da que esperava e com a ideia impeachment já em curso nos gabinetes e conversas. “Em setembro de 2015, meu plano não era retratar a democracia brasileira virando fumaça. No correr de alguns meses, me deparei com um Congresso dominado pela influência de Eduardo Cunha, o qual decidiu que era hora de encerrar o mandato de Dilma Rousseff. No lugar da ideia inicial – meio ingênuo e pitoresco, admito hoje – surgiu diante de nossas lentes e microfones um Congresso onde quem dava as cartas eram figuras desconhecidas do grande público e onde muito era decidido a portas fechadas, fora de nosso alcance. Ninguém falava de outra coisa que não o impeachment. Meu filme havia sido sequestrado junto com nossa democracia.”, explica Duarte.
Além do presidente Eduardo Cunha, quem também ganha destaque neste documentário é Marcos Feliciano, Carlos Marun e o agora presidente eleito Jair Bolsonaro. Todos tiveram sua parcela de ganho pessoal com o golpe. As reuniões nas comissões e as sessões no plenário aconteceram de forma totalmente arbitrária, com pouca democracia entre as falas. Com Cunha, tudo acontecia da forma como ele queria.

Acredito que as cenas mais marcantes tenham sido as da defesa de José Eduardo Cardozo na comissão do impeachment do Senado, em que o então Advogado Geral da União tenta esclarecer pontos aparentemente óbvios, para homens que nem o escutavam. Acaba sendo vencido pela narrativa desvairada da promotora (agora deputada estadual eleita por São Paulo) Janaína Paschoal.
O filme conta com uma narração do também diretor Douglas Duarte, desnecessária e um pouco didática demais. Além das discussões dentro das comissões, plenário e gabinetes, o filme mostra manifestações de rua e ícones como o pato da Fiesp. Acredito serem esses os principais problemas deste documentário, que tenta abarcar todos os aspectos deste momento político, o que seria impossível, mesmo em um filme de duas horas e meia.
“Excelentíssimos” busca dar luz com detalhes às articulações que levaram ao golpe. A cena da votação na Câmara dos Deputados é quase anestésica, com efeitos de zoom. A câmera nos deixa extasiados diante da tragédia a que nossos olhos assistiram. Algumas falas chegam a doer. É inacreditável que essas narrativas tenham ganhado as ruas. Nós sabemos que muitas daquelas coisas sempre foram daquela forma, mas é inacreditável que as pessoas, tão plurais e diferentes em todos os sentidos daqueles homens detentores de poder, se identifique com essas ideias.
Na realidade, há de se entender, uma vez que constata-se que a narrativa foi toda muito bem montada, com certa união entre os poderes legislativo e judiciário e a mídia. Serão necessários ainda muito filmes, pesquisas e anos de estudo para entender bem todo este percurso. Por meio de uma narração final em “Excelentíssimos”, acompanhamos os desdobramos do que aconteceu depois, todas as outras corrupções vistas e não punidas. Alguns poucos foram presos, mas outros se tornaram ministros ou então alavancaram as carreiras para se candidatarem a cargos majoritários em seus estados. Entretanto, a conjuntura política muda a cada dia. O documentário busca ser uma reportagem jornalística e, nesse sentido, se mostra insuficiente, por não conseguir acompanhar todos os fatos sucessórios.
Ainda assim, “Excelentíssimos”, que tem produção de Julia Murat, é um importante documento deste momento histórico, cujos desdobramentos ainda estão sendo sentidos.