Grande vencedor do Festival de Brasília, “Temporada” é uma pérola a ser descoberta

O filme “Temporada” é notável em muitos aspectos. Começo destacando os elementos autobiográficos que permeiam a narrativa e dialogam com experiências reais, vividas pelo diretor e roteirista. Assim como sua protagonista, André Novais Oliveira trabalhou no combate a endemias e se viu fascinado pelo universo das casas visitadas, que se tornam pequenas só quando são particulares. Mas que podem ser preenchidas de infinitas emoções, como deveria ser, a partir do olhar cinematográfico. E é justamente esse desafio que Novais Oliveira supera magistralmente. O enredo consegue extrair poesia das situações mais banais e invisibilizadas no tecido social urbano. Juliana (Grace Passô), a protagonista em questão, chega na periferia de Belo Horizonte para integrar uma equipe responsável por eliminar focos da dengue. Ao longo da trama, as sutilezas nos fazem penetrar um cotidiano marcado por transformações. O marido abandona a perspectiva de formar um lar na cidade grande e desaparece sem motivos. Não precisamos dos motivos, entretanto, porque o foco é Juliana; sua angustiante solidão; a força para continuar a sua emancipação da figura masculina. Esta é a razão que nos prende ao retrato de uma rotina comum: Juliana e seu caminho.

Afinal, é o caminho de muitos brasileiros que não costumam ser evidenciados. Há uma certa responsabilidade por parte do espectador em ouvir essas vozes, fugindo do óbvio. Ao invés de esperarmos cenas de ação, respeitamos que os pontos máximos de euforia estão escondidos nos detalhes. Como mulher negra, Juliana adota o cabelo natural em meio ao processo de amadurecimento. Sua independência forçada, contudo, não serve de escada para elucidar as pautas feministas e raciais que estão ameaçadas nos dias de hoje. A predominância de um padrão branco de beleza não é explicitamente abordada como tema, o que não nos impede de vibrar quando a personagem exibe seu novo corte. Aliás, é importante ressaltar a atuação de Grace Passô. Sutilezas são harmonizadas utilizando pequenezas como veículo – corpo, expressões, gestos e intenções. A atriz atinge esse objetivo de forma genial, posicionando o público nesse lugar de quase não perceber o quanto Juliana está mudada. Vemos a personagem se soltar, fazer amigos, construir um lar e ganhar o próprio dinheiro, mas fomos embalados de um jeito que as diferenças parecem naturais. O caminho é transcorrido e não sentimos o tempo passar.

Infelizmente, recortes narrativos tão singelos não costumam chegar ao grande público. Principalmente quando contam histórias periféricas, de servidores públicos, mulheres negras e daqueles que, de fato, carregam o Brasil nas costas. Em “Temporada”, a classe trabalhadora está presente, sem que haja a romantização de seu sofrimento. O espectador entra em contato com as casas, ruas, músicas e com a trajetória de uma periferia resistente. Novais Oliveira optou por cenas em que atores profissionais interagem com não atores e o resultado é impressionante. Por fim, minha única crítica diz respeito ao caráter pedagógico com que a dengue é tratada. É um pouco incômodo, mas nada que não possa ser relevado, dada a necessidade de conscientização sobre a doença. Igualmente importante é a valorização dos profissionais por trás do controle dessas epidemias, geralmente trabalhando em condições ruins e recebendo salários baixos. Certamente, o filme exalta a contribuição que essas pessoas dão para a sociedade.