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A condição da mulher nos anos 1950 em “A Vida Invisível”, com Fernanda Montenegro


O indicado para ser o brasileiro a tentar uma vaga na corrida pelo Oscar em 2020 é “A Vida Invisível”. Inspirado no livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, este longa maravilhoso conta a história de duas irmãs que são separadas por conta de uma sociedade extremamente machista e patriarcal. Filhas de um casal de portugueses, elas levam uma vida de classe média na região central do Rio de Janeiro dos anos 1950. Ainda muito jovens, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler) se veem separadas por condições da vida e por preconceitos de sua família.

Eurídice se casa com Antenor (Gregório Duvivier) e a cena de sexo na lua-de-mel é quase horripilante, me deu uma sensação terrível. Assim como as cenas seguintes entre o casal, que só mostram o que era comum na época: um homem medíocre que tenta, de todas as maneiras, excluir da sociedade sua mulher, diminuindo ao único papel possível, de esposa e mãe, eliminando todos seus sonhos.

Enquanto isso, sua irmã Guida é uma jovem apaixonada, quer viver intensamente, mas com tantas amarras que a sociedade lhe impõe, ela acaba sofrendo uma verdadeira rasteira da vida e é obrigada a viver apartada da família e se virar para conseguir viver dignamente. Guida se muda para um cortiço, onde conta com a ajuda de outras mulheres para criar seu filho.

“A Vida Invisível” mostra exatamente toda essa solidariedade feminina, essencial para que essas mulheres conseguissem levar suas vidas (o que muitas vezes ainda perdura). Além das relações que todos os homens têm com as mulheres, que as veem como propriedade deles, seja a esposa ou a filha, essa relação é manifestada em cada movimento e em cada reação masculina, tudo bem nojento.

O longa explora bem a condição da mulher nos anos 1950, antes da onda feminista e de conquistas como a pílula anticoncepcional e o divórcio. Naquele período, as mulheres eram obrigadas a se virar sozinhas para tentar não engravidar, por exemplo (o que, na verdade, também ainda perdura), além de serem obrigadas a viverem em condições totalmente diferente das que sonharam apenas por serem mulheres, e não somente pela condição financeira. As mulheres são exatamente invisibilizadas e têm seus sonhos tolhidos.

Quando nasce, a mulher é propriedade da família (do pai) e não pode sair da linha nem por um minuto, se não é colocada na rua à própria sorte, ou, quando se casa, se torna propriedade do marido e também é largada à própria sorte, em certa medida. O que estes homens querem de verdade é manter as mulheres “no lugar delas”, sem perspectivas e apenas engravidando sem parar, se mantendo 100% dentro de casa. Quando não santas, então putas e vagabundas, ou às vezes tão perigoso quanto (como o filme consegue mostrar), loucas.

A participação de Fernanda Montenegro, representando Eurídice em sua velhice, é excepcional. O filme consegue passar sua mensagem antes mesmo deste trecho e, por mim, poderia acabar lá atrás, sem esse desfecho, mas, como eu curto finais amarrados e Fernanda Montenegro foi escalada para esse papel, que, mais uma vez, faz de forma brilhante, este ato final fecha o filme com chave de ouro. Além da fenomenal atuação de Carol e Julia, que dão o melhor de si para que esse filme seja realmente excelente. Alguns dizem que o filme se arrasta para esta catarse do ato final, de reencontro ou não das duas irmãs, mas eu sinceramente acredito que todo ele tem potencial e cada cena é muito importante para essa construção, tocando em lugares a mim tão caros. Eu fiquei arrepiada do início ao fim.

O mais assustador de “A Vida Invisível” é a proximidade que muitas vezes encontramos com o nosso presente. Por mais que muitas conquistas inegáveis tenham acontecido de lá para cá, é importante sempre lembrar que, por exemplo, o presidente da república, na época da eleição de 2018, chegou a afirmar que queria o Brasil como era há 50, 60 anos, e era exatamente esse tipo de coisa que acontecia nesse período. E nós sabemos que os direitos da mulher são sempre os primeiros a serem atacados quando vivemos em períodos de exceção. Por isso, é importante estarmos sempre atentas.

“A Vida Invisível” é dirigido por Karin Aïnouz, produzido por Rodrigo Teixeira e estreia no Brasil no próximo dia 31 de outubro. É imperdível!


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Manu Mayrink é fanática por livros, filmes, séries, música e lugares novos.  A internet é seu maior vício (ao lado de banana e chocolate, claro) e o "Alguém Viu Meus Óculos?" é seu xodó. Ela ama falar (muito) e contar pra todo mundo o que anda fazendo (taurina com ascendente em gêmeos, imagine a confusão!). Já morou em cidade pequena e em cidade grande, já conheceu gente muito famosa e outras não tanto assim (mas sempre com boas histórias). Já passou por alguns lugares incríveis, mas quando o dinheiro aperta ela viaja mesmo é na própria cabeça. Às vezes mais do que deveria, aliás.

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