O novo American Dream no inspirador “Cadê Você, Bernadette?”
“Cadê Você, Bernadette?” seria uma narrativa feminista? O olhar mais apressado diria que sim. Aqui, eu poderia iniciar todo um debate teórico e político, mas não quero me perder do filme, que vale a pena ser visto. Acredito que não importa tanto se a história, baseada no livro homônimo escrito por Maria Semple, reivindica um feminismo liberal, tão comum nas grandes produções americanas atuais. Afinal, apesar das personagens femininas fortes serem importantes, são outras as transformações mais urgentes que as mulheres ao redor do mundo precisam no sentido de melhorar suas vidas. Portanto, parece-me interessante focar nos detalhes discursivos presentes na trama.
Cate Blanchett interpreta Bernadette Fox, que se encontra num momento crítico: ela já foi uma estrela em ascensão no universo da arquitetura, mas, após sofrer uma imensa frustração profissional, mudou-se para Seattle, onde seu marido Elgin (Billy Crudup) conseguiu um emprego na Microsoft. Lá, o passar dos anos foram cruéis com nossa excêntrica heroína. Tudo lhe parecia horrível, a não ser por sua filha Bee (Emma Nelson). Bernadette não lida bem com a vizinhança e com as mães da escola, desenvolvendo um comportamento extremamente antissocial. No entanto, mesmo com tudo desabando, sua relação com Bee não é afetada. Pelo contrário, são amigas, companheiras e, à medida que vai se distanciando do trabalho, Bernadette vai se tornando uma mãe cada vez mais admirável.
O conflito ocorre porque, não sabendo administrar outros aspectos do cotidiano, ela entra em colapso e desaparece. Antes disso, fica evidente que havia uma barreira no casamento de Bernadette e Elgin. De forma bem sutil, o filme questiona as diferenças entre as experiências de um homem genial e de uma mulher genial. O marido assume facilmente esse papel, conquistando um cargo importante na Microsoft. O status de gênio da tecnologia e de alto executivo lhe concede a licença para se ausentar de casa. Ela, por sua vez, tem que enfrentar o peso dessa expectativa ao longo de sua carreira. E, ainda, tem que dar conta emocionalmente de dores inimagináveis para um homem.
Richard Linklater – também diretor da “Trilogia do Antes”, pela qual sou apaixonada – conseguiu dar a Bernadette um toque tragicômico que gera muita empatia. Mais do que isso, atualizou o american dream, trazendo elementos contemporâneos, o anseio pelo consumo tecnológico, produzido pela indústria dos EUA, e o típico final feliz de uma bela família reunida. Bee e o pai partem numa jornada para encontrar a protagonista e a lição que fica é inspiradora: Bernadette precisava depositar seu poder criativo no mundo, para além da gestação. Reencontrando-se com seu trabalho, ela pôde se encontrar novamente.