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"Terra Sonâmbula", de Mia Couto, mescla fantasia à dura realidade da guerra civil moçambic


Você sabia que "Terra Sonâmbula", do moçambicano Mia Couto, foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbábue e já foi incluído na lista de leituras obrigatórias de vestibulares como os da UNICAMP e da UFU?

A obra foi escrita em 1992 tem início a partir de um ônibus incendiado (o famoso Machimbombo) em uma estrada poeirenta que serve de abrigo ao velho Tuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerra civil devastadora que atinge toda parte em Moçambique. Depois de dez anos de guerra anticolonial (1965-1975), o país do sudeste africano estava às voltas com um longo e sangrento conflito interno que se estendeu de 1976 a 1992. O veículo está cheio de corpos carbonizados. Mas há também um outro corpo à beira da estrada, junto a uma mala que abriga os 'cadernos de Kindzu', o longo diário do morto em questão. A partir daí, duas histórias são narradas paralelamente - a viagem de Tuahir e Muidinga e, em flashback, o percurso de Kindzu em busca dos naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que são, aos olhos do garoto, a única esperança contra os senhores da guerra.

O livro mescla as duas realidades, já que, apesar da narrativa dos cadernos de Kindzu e a da vida de Muidinga e Tuahir acontecerem de maneira alternada, os escritos do diário são capazes de influenciar a forma como Muidinga encara a realidade. Em "Terra Sonâmbula", Mia Couto mostra como o colonialismo não desapareceu com a conquista da independência e retrata todas as dificuldades da situação em uma mistura de mundo real e fantasia. Em alguns momentos, esta ruptura é nítida; em outros, a mágica se faz de maneira tão incrível que nos envolvemos sem saber quando a realidade abre espaço para os devaneios.

 

"Queria pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente. Acendo a estória, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma sombra sem voz"

 

Uma outra coisa super bacana da obra são as palavras usadas no português de Moçambique e que foram mantidas pela Companhia das Letras nas edições lançadas no Brasil. A gente se confunde, mas tem um glossário esclarecedor no final do livro que nos revela tudo. E assim ainda aprendemos mais sobre a riqueza da Língua Portuguesa em todas as suas variações!

A maneira poética como Mia Couto trata os conflitos e dores da guerra nos leva para dentro daquele cenário, de forma que possamos quase interagir com o mundo de realidade/fantasia. Ao longo da leitura, nos comovemos com as histórias, nos apaixonamos pelos personagens, sentimos dores e alegrias. Acompanhamos as tentativas de amor em meio à guerra, os sintomas da xenofobia latente, a espera da morte...

 

"O que é perder-se, ao fim ao cabo? Muita gente, acreditando ter a certeira direção, nasce já equivocada. E continua barateando prosa. Quem sabe desejasse só se distrair o jovem, para que ele não tomasse a sério o destino".

 

"Terra Sonâmbula" se faz necessário principalmente porquê, como digo volta e meia por aqui, é muito importante sairmos do eixo EUA/Europa quando o assunto é leitura. Que tal conhecer as obras-primas africanas?

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Manu Mayrink é fanática por livros, filmes, séries, música e lugares novos.  A internet é seu maior vício (ao lado de banana e chocolate, claro) e o "Alguém Viu Meus Óculos?" é seu xodó. Ela ama falar (muito) e contar pra todo mundo o que anda fazendo (taurina com ascendente em gêmeos, imagine a confusão!). Já morou em cidade pequena e em cidade grande, já conheceu gente muito famosa e outras não tanto assim (mas sempre com boas histórias). Já passou por alguns lugares incríveis, mas quando o dinheiro aperta ela viaja mesmo é na própria cabeça. Às vezes mais do que deveria, aliás.

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