Entrevista com Aline Deluna, estrela de "Josephine Baker - A VĂȘnus Negra"
- Manu Mayrink
- 1 de dez. de 2017
- 4 min de leitura

VocĂȘ aĂ conhece Josephine Baker? A estrela franco-americana Ă© de absoluta importĂąncia na luta negra e feminina, com um jeito irreverente que causava polĂȘmicas por onde passava. Nascida em 1905, a dançarina, cantora, atriz, humorista e atĂ© espiĂŁ viveu um perĂodo de forte discriminação racial (e ela ainda teve o "azar" de nascer mulher) e se tornou uma das maiores artistas de seu tempo. Mas Ă© incrĂvel como ela Ă© pouco conhecida no Brasil! Eu mesma nĂŁo sabia nada sobre ela.
Assim cheguei ao espetĂĄculo "Josephine Baker - A VĂȘnus Negra", pronta para conhecer esta mulher, aqui interpretada pela incrĂvel Aline Deluna. A atriz começa como ela mesma e vai se transformando na nossa frente. Quando a gente percebe, jĂĄ estĂĄ totalmente inserido na histĂłria de Josephine, num misto de risada, reflexĂŁo, lĂĄgrimas e muita mĂșsica!
Confira abaixo a entrevista que fiz com Aline que, alĂ©m de estar no papel principal do espetĂĄculo (ela tem a companhia de trĂȘs brilhantes mĂșsicos que se revezam em outros tantos personagens), Ă© a idealizadora do projeto que coleciona indicaçÔes a prĂȘmios (Cesgranrio, Botequim Cultural e Shell):
Apesar de toda a importĂąncia de Josephine no campo musical, na luta dos negros e das mulheres, ela nĂŁo Ă© tĂŁo conhecida do grande pĂșblico. Eu mesma nĂŁo sabia nada sobre ela atĂ© o espetĂĄculo (e me senti pĂ©ssima por isso depois). Como tem sido a repercussĂŁo do pĂșblico apĂłs as sessĂ”es? Como vocĂȘ se sente contando esta histĂłria?
Eu tambĂ©m desconhecia a histĂłria dela, assim como a maioria das pessoas da nossa geração e especialmente no Brasil. Meu primeiro contato com ela foi como referĂȘncia para um trabalho e a partir daĂ pude buscar sua biografia. Ă uma vida rica do ponto de vista artĂstico e pessoal, e que precisa ser conhecida! As reaçÔes do pĂșblico sĂŁo sempre de surpresa ao conhecer essa histĂłria e de encantamento com essa personagem singular. Para mim Ă© uma honra imensa poder resgatar essa parte da histĂłria, pois estamos falando de uma mulher militante, a Ășnica a discursar na marcha de 63 ao lado de Martin Luther King, e pioneira em diversos campos, como a luta contra o racismo, e provocando uma revolução nas artes com suas performances fora dos padrĂ”es, sendo ainda a primeira protagonista negra do cinema.
Neste espetĂĄculo, vocĂȘ conta a histĂłria de Josephine sendo tambĂ©m um pouco Aline, nĂ©? VocĂȘs duas se misturam, se transformando em uma sĂł. Isso ajuda na hora da atuação, ajuda a se aproximar da personagem? Tem medo de o pĂșblico confundir quem Ă© quem ou isso faz parte do que vocĂȘs pretendem mesmo?
Tem sido uma experiencia extremamente enriquecedora, principalmente o processo de construção da peça, pois para o ator sĂŁo raros os momentos em que vocĂȘ se coloca em cena sem a "mĂĄscara" da personagem. Nossa histĂłria se mistura em momentos e foi esse um dos motivos que levou a querer encenar esse espetĂĄculo, onde a linguagem principal Ă© esse tom de conversa informal que permite que a platĂ©ia se aproxime e em momentos se identifique com a personagem. As questĂ”es atravessadas pela personagem e por mim, atriz, sĂŁo questĂ”es universais que falam sobre aceitação, padrĂ”es, preconceitos, sonhos, relaçÔes amorosas, etc, entĂŁo nĂŁo me incomoda que o pĂșblico se confunda sobre a quem pertencem os fatos descritos, pois na verdade falam de todos nos seres humanos.

Josephine precisou ir para a França para se sentir em casa e ter seu talento efetivamente reconhecido, principalmente por conta da cor de sua pele. Ela foi responsåvel por muitas mudanças nos EUA quando voltou. Qual a importùncia de trazer a luz a história de Josephine no Brasil de hoje?
Principalmente nos dias de hoje, onde a histĂłria se coloca mais uma vez em um momento de resgate de valores morais suscitando a censura e definiçÔes de certo e errado, Ă© de extrema importĂąncia resgatar uma personalidade que atravessou a vida "nadando contra a corrente" e que, apesar das dificuldades enfrentadas, conseguiu realizar a sua utopia. Ă uma referencia para mulheres em geral, mulheres negras, sonhadoras, artistas, militantes, etc, e precisamos de referĂȘncias assim, que mostrem que nĂŁo sĂł Ă© possĂvel, como jĂĄ foi feito.
O espetĂĄculo traz cançÔes de Ă©poca, mas tambĂ©m mais modernas, como âSom de Pretoâ e âLike a Prayerâ. Por que optar por essa mistura de geraçÔes?
Exatamente para misturar as geraçÔes, pois as questĂ”es vividas e defendidas por ela hĂĄ um sĂ©culo hoje em dia ainda sĂŁo as mesmas. Ela optou pela mistura de raça, de cultura.. Ela mesma foi uma americana naturalizada francesa. A mistura enriquece, amplia o olhar, e mostra como atravĂ©s de diversas linguagens podemos falar da mesma coisa. "Som de Preto" Ă© incluĂda na peça no bloco de cançÔes brasileira da Ă©poca, gravadas por ela, que eram apresentadas em cassinos e em eventos da alta sociedade. No entanto essas cançÔes eram compostas por pessoas de classes populares. No caso de "Like a Prayer", essa canção da Madonna foi extremante criticada por falar de temas religiosos, misturar sexualidade etc, e essas crĂticas atuais sĂŁo muito prĂłximas dos ataques da igreja ortodoxa Ă prĂłpria Josephine. Enfim, Ă© tudo misturado mesmo.
E como Ă© transitar do humor para o drama tantas vezes em um mesmo espetĂĄculo?
DifĂcil no começo, mas maravilhoso e enriquecedor como processo. Independente de tratar-se de drama ou comĂ©dia, na atuação deve haver verdade, e havendo isso e fĂĄcil transitar, pois tudo que Ă© dito, Ă© dito com verdade e o pĂșblico consegue sentir e acompanhar as mudancas.
Como foi trabalhar com Walter Daguerre e OtĂĄvio Muller? Como foi seu primeiro contato com eles?
Eles sĂŁo gĂȘnios! Ambos tem um olhar humano e criativo para cena, pensam rĂĄpido, partem para a ação e experimentação a todo o tempo, possuem uma carga de experiĂȘncia imensa e enriquecedora e estĂŁo abertos ao diĂĄlogo e Ă troca a todo momento. Todo o processo foi construĂdo em coletividade e, desde a criação atĂ© hoje, todo os momentos juntos sĂŁo de prazer e diversĂŁo. Quando se faz o que se ama Ă© assim.
Serviço
Onde: Teatro Maison de France â Av. Presidente AntĂŽnio Carlos, 58 â Centro
Quando: Quinta a domingo, até 17.12, às 19h30
Quanto: R$ 50,00 (meia, R$ 25,00)
Fotos: Lu Valiatti/Divulgação






