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A liberdade é um sonho que exige coragem: "A Lira dos 20 anos", em cartaz na CAL até 13 de


Sozinho. Esta é a única forma de vir ao mundo e dele partir. Para o musical "A Lira dos 20 Anos", esteja disposto ao conforto da solidão. Isso, porque a narrativa imersiva e itinerante nos faz perder os amigos com quem chegamos e nos misturar ao todo. Um todo que não põe limite entre atores e plateia, entre o palco e o chão, entre conhecidos e estranhos. Somos como refugiados, forçados a deixar nossa casa que é a passividade familiar do teatro tradicional. Ao longo da peça, ficam para trás conceitos pré concebidos sobre contar uma história. Descobrimos que somos a história. Pois participamos da Lira sem um pedido formal. Caminhamos junto ao elenco e protestamos com ele. A movimentação ativa nos introduz tão no âmago do enredo, que sentimos cada alegria e cada sofrimento. Não há ferramenta política mais eficaz - o envolvimento nos transporta aos melhores e piores momentos da ditadura militar brasileira.

No entanto, o que foi melhor diante da barbárie humana cometida nos porões ditatoriais? Responder esse questionamento é um desafio, superado com muita coragem em todos os aspectos de "A Lira dos 20 Anos". Só encaramos o escuro medonho das cenas que relatam a tortura pois também assistimos aos sonhos de uma juventude organizada e viva. Além de sonhar e de amar, os personagens cantam as canções produzidas no período. Arrisco colocar essas canções entre o que há de melhor: são flores resistentes ao fogo. A MPB compôs as armas mais bonitas da nossa história, utilizadas pela Lira no combate. Neste espetáculo, o repertório costura o enredo sem excessos e o elenco transita naturalmente entre texto e música. Ambas as linguagens se unem em um discurso maior.

Equilibrando comédia e drama, "A Lira dos 20 Anos" acontece com um grupo de jovens militantes no final da década de 60. Homossexualidade, liberdade, machismo, comunismo e luta armada são questões escancaradas pelo debate proposto. Junto com a linguagem textual e musical, a coreografia encerra a santíssima trindade que comunica tantos assuntos ainda pertinentes. Em qualquer regime fascista, os corpos são reduzidos até se tornarem menos humanos. Por isso, o trabalho corporal da Lira é o êxtase democrático. Tudo está emancipado e pode se movimentar durante o espetáculo, inclusive, a plateia e o cenário. Ainda bem. Por existir e transcender estruturas arcaicas, a peça nos convence a lembrar do passado enquanto é tempo.

Este poliamor sagrado entre texto, música e coreografia não comunica somente a vida dos protagonistas. Está presente no discurso maior da esperança. Episódios marcantes da história brasileira contextualizam a peça e fornecem bagagem para nenhuma crítica perder-se em vão. Nós saímos esgotados e aliviados, oscilantes num conflito emocional. Nossa fraca voz se multiplica em coro depois da travessia. Ser o público da Lira é fazer a travessia. Percorremos todo o espaço em que a peça é encenada, mas percorremos o nosso interior. Somos revirados para lidar com tanto sentimento. Sozinhos, experimentamos nosso amor, nossa luta, nossa partida e não esmorecemos. Tirando leite das pedras, aceitamos rir com o melhor da escuridão: suas canções e sua juventude. Aceitamos chorar uma dor que não vivemos. Se há uma mensagem que sobra na gente, é de que a esperança morreu torturada. Contudo, restou um espírito sobrevivente. Corajosos os que ousam chamar seu nome. Sem ele não há liberdade. E a liberdade é um sonho que exige coragem.

Serviço:

Sextas às 20h e Sábados e Domingos às 15h e às 20h. (até 13/05)

CAL Laranjeiras – Rua Rumânia, n° 44.

Entrada Franca. Senhas distribuídas uma hora antes de cada sessão.

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Manu Mayrink é fanática por livros, filmes, séries, música e lugares novos.  A internet é seu maior vício (ao lado de banana e chocolate, claro) e o "Alguém Viu Meus Óculos?" é seu xodó. Ela ama falar (muito) e contar pra todo mundo o que anda fazendo (taurina com ascendente em gêmeos, imagine a confusão!). Já morou em cidade pequena e em cidade grande, já conheceu gente muito famosa e outras não tanto assim (mas sempre com boas histórias). Já passou por alguns lugares incríveis, mas quando o dinheiro aperta ela viaja mesmo é na própria cabeça. Às vezes mais do que deveria, aliás.

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